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quinta-feira, 14 de abril de 2011

Sobre o medo

quando criança lembro do brilho que tinha nos olhos. brincava de atormentar as formigas grandes e assustava lagartixas. o escuro era janela para minha imaginação; começava com alguns planos de fundo e depois com paisagens complexamente detalhadas.

quando completei dez anos, lembro do dia que meu pai me disse, choroso, sobre o falecimento de minha vó paterna. inocentemente, fiquei feliz por imaginá-la vestida com roupas brancas em um lugar onde as ruas eram de ouro reluzente e as casas feitas com pedras preciosas. era esse o meu jeito de encarar a morte.

estou ao telefone com minha mãe e noto que a sua voz autoritária estava dando lugar para uma voz triste e tímida. o motivo, no fundo, eu já sabia. minha avó materna está muito doente há algum tempo. tive um pesadelo noites anteriores e desde lá, carrego um pressentimento ruim que instalou-se em meu peito entre as minhas pulsações. hoje tenho medo do escuro que estabelece-se em minha casa antes de eu conseguir dormir. tenho medo dos pesadelos que terei, dos sentimentos que guardo em mim.

a segurança que nos falta, abre prescedentes para o medo. não existem motivos para temer monstros imaginários ou pequenos animais realmente inofensivos, mesmo assim o medo age como uma barreira que nos impede de raciocinar. não consigo mais imaginar a morte como uma simples passagem para um lugar inimaginavelmente tranquilo e poético. tenho medo, sou inseguro e carente.

passo correndo pelas ruas e corredores escuros, mesmo sabendo que estou sozinho. as lágrimas que tanto derramei apagaram aquele meu brilho nos olhos. meu maior medo é me imaginar escrevendo uma carta como essa na próxima década, dizendo que estou realmente sozinho e que ainda tenho medo.

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