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terça-feira, 29 de maio de 2012

O reino da dor

Certa vez me disseram o quanto eu teria que correr atrás do que me faz feliz, sobre como se faz, sobre como ser feliz e fazer alguém feliz. Lembro da intensidade que insinuam-se os olhos, da eletricidade na calmaria da voz e da paciência dada aos ouvidos.

Vim pelo céu rasgando nuvens, cai direto no fundo do oceano e me encantei com o reino que descobri. Nesse reino esquecido, submergido a mil léguas do nível da cidade, havia uma princesa, e tendo em vista toda a sua beleza, logo me apaixonei. Mas como poderia dar certo?

Sempre nos encontrávamos para jogar conversa fora, eu falava pra ela como lá no céu onde eu morava era bonito. Contei sobre as estrelas, como elas brilhavam e inspiravam gerações. Ela, por sua vez, me contava sobre todas as histórias do reino, tentou me explicar como era possível, aquela perfeição inteira, nunca ter sido revelada aos quatro cantos do mundo.

Então chegou o dia em que tive que partir, com a promessa de que voltaria para aquele reino iluminado. Nunca conseguiria esquecer as luzes da cidade e o aroma do perfume da princesa. Chegando à superfície, com o pensamento ainda no fundo do mar e na princesa, prendi o meu pé em um coral. Estava tão perto de casa, tão longe de onde não queria sair e cada vez mais sem fôlego, sem forças pra tentar sobreviver.

Minha vida ficou presa entre os corais, até hoje se você passar pelos recifes, vai ver os olhos que nunca pararam de brilhar. Consegui chegar no meu destino um dia, mas o sentimento mais puro do mundo se perdeu no fundo do mar, e a dor, flutuante, espalhou-se.

Por toda a humanidade ouviu-se um grande sussurro.

sexta-feira, 25 de maio de 2012

o início do início

Se eu acreditasse que sonhos se realizam, te procuraria e diria que sonhei a vida inteira com esse momento. Se eu, por um segundo, conseguisse acreditar em destino, já saberia que nasci só para te fazer sorrir. Se tivesse força para crer em um mundo melhor, já estaria ligado que você foi a única razão pela qual tudo poderia mudar.

Você entrou em minha vida e já não sinto a dor que carrego comigo. Sei que ainda está aqui, pois estou ciente que nem ela tem força para nos separar. Não foi dificil perceber, te quis desde o começo. A luz dos seus olhos acertou os cristais dos meus, espalhando e irradiando luzes por todo o universo. As nuvens sumiram do céu e o Sol põe-se em prantidão, alegre por saber que mesmo existindo outro astro tão brilhante quanto, ele não perdeu sua majestade.

Você é tudo que um dia me disseram não existir. E não o digo com palavras de amor, te falo com afeto e gratidão, você chegou na hora certa, resgatou-me de um triste meio e arremessou-nos para um infinito fim cor de melancia, cor de céu de fim de tarde, com cheiro de café da manhã de fazenda e leve como a brisa do oceano.

quarta-feira, 9 de maio de 2012

that's all right

Em toda a extensão da areia o sol queimava sem pena. Acima o céu exibia, em infinita beleza, nuvens com formas de animais. Debaixo do sombreiro, estendida sobre a canga, estava Dedé lendo Clarice. Fora da sombra, Toni corria usando o chapéu-de-palha que a namorada tanto achava engraçado, jogando areia em cima do coitado do Panqueca, o dálmata do casal.

Era um dia de semana, mas não era um dia qualquer, era dia deles e de mais ninguém. A praia era comumente vazia as terças, então brincavam dizendo que todo aquele horizonte-mar tinha sido feito só para os dois. As camisas, celulares, sandálias, e todo o tipo de bagagem desnecessária ficava no carro. Panqueca mal podia sair da coleira que já procurava sujar-se completamente de areia, arrancando boas gargalhadas.

Dedé adora ler, cantar e ouvir o som do mar. Ela sempre fala o quanto adora pés, diz que pra conquistá-la tem que ter pés lindos, o que chegava a ser engraçado. Toni era incrivelmente elétrico e tinha os pés mais feios que as patas do cachorro. Todas as fotos dos casais eram marcadas por caretas ou poses extravagantes. Ele adorava plantar bananeira, lutar com Panqueca e pregar peças na Dedé.

Era mais uma terça mágicas. Enquanto a namorada contava as histórias da professora rabugenta de portugûes analfabeta, Toni ria tão alto que do outro lado do oceano dava pra ouvir. Os dois conversavam de boca cheia e riam mais ainda até se engasgarem. Os sanduiches eram feitos pelos dois, antes de sairem de casa, e comido pelos três. Uma vez eles foram mergulhar e quando voltaram, o dálmata tinha devorado tudo.

Tudo era motivo pra um caldo no mar ou um cascudo na cabeça. Incrivel como eles se davam bem, e como isso era natural. Com os dois, tudo era espontâneo. Claro que eles brigavam, mas não durava meia hora, já estavam abraçados ou irritando um ao outro com piadas completamente sem graça. Saudade daqueles três...

segunda-feira, 7 de maio de 2012

Pequena jóia

O cheiro estava em toda a casa. A televisão estava ligada na sala, e no sofá estava apenas o controle. Na cozinha tocava o disco arranhado, uma seleção especial e carinhosa das músicas que todos ouviam juntos aos domingos. Uma janela enorme, com bordas enormes de madeira, fazia da mesa, arrumada sob o jardim, um perfeito quadro. A grama lá fora era verde, e como tinha chovido na noite anterior, o clima era incrivelmente agradável. Na mesa tinham três pratos, três garfos, três facas e três copos.

O prato do dia era a especialidade da chefe-de-cozinha. Ana fez um curso de culinária na Itália, sempre levou jeito, mas sua paixão mesmo era a medicina. E nada é por acaso. Acabou conhecendo Vicente, com que está casada até hoje, na faculdade. Os dois começaram a namorar antes da residência, e se casaram depois de cinco anos de namoro, quando Ana descobriu que estava grávida. Compraram uma casa enorme, com o portão branco gradeado, garagem para dois carros, um gramado gigante parecido com um tapete e uma roseira encantadora (da qual se orgulhavam tanto).

Todos que viam a barriga de Ana, comentavam o quanto o filho seria lindo, tendo em vista que ela tinha olhos arredondados e claros, um semblante espontaneamente feliz, que a fazia parecer estar sempre sorrindo. Já Vicente era alto e tinha a pele da cor do pôr-do-sol. Os dois juntos formavam um casal perfeito, logo seriam a família perfeita. Então veio ao mundo Letícia.

A primeira filha do casal nasceu saudável e, como previsto, incrivelmente linda. Cresceu em um ambiente iluminado, desses de conto de fadas. Quanto mais Letícia crescia, mais linda ficava, com aqueles olhos grandes e os cachos mais brilhosos do universo inteiro. Crescia cada vez mais inteligente, era a criança mais esperta de sua turma e sempre mostrava ser natural toda aquela simpatia. No aniversário de Vicente, Ana decidiu fazer um pequeno jantar pros mais íntimos. Na cozinha já estava quase tudo pronto.

O telefone de Vicente tocou antes do combinado, Ana soluçava se afogando em choro sem mal conseguir formar sequer uma palavra. Tudo que ele entendeu foi o nome do hospital onde trabalhava, e a ultima frase em tom de desespero: Venha para a urgência!

Ana estava dando os ultimos caprichos na janta enquanto brincava de esconde-esconde com Letícia.

- Minha jóia, venha cá! Seu pai já já vai chegar! Vamos pegar algumas rosas pra ele. Onde você está, filha? Você está ficando boa nis...- Um silêncio aterrorizante na consciência de Ana veio a tona, Letícia estava deitada sobre uma poça de sangue.

Depois de horas dentro da sala do amigo, Vicente saiu desconsolado. Ana partiu pra cima dele com todos aqueles termos médicos e perguntas que envolviam seus sentimentos e medos. Nenhum médico saberia explicar o que aconteceu. Letícia teve uma hemorragia interna e sangue saiu pelo nariz até que ela ficasse inconsciente e viesse a falecer horas depois.

Então todos os domingos Ana cozinhou o prato favorito de Letícia, colocou o prato no lugar que ela costumava sentar-se e ouvia as músicas que ela e o marido costumavam ouvir. O jardim foi ficando cada vez menos verdes, o sabor na comida foi sumindo aos poucos. Um casal jovem com um peso enorme nas costas, e toda a perfeição deixou de existir.