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sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

parágrafo único

ao relento. ao engano do abismo do desconhecido você atirou as estatísticas que apontavam um nós. você soprou ao vento, que espalhou por todos os cantos do universo, as chances que tínhamos de concretizar o capricho dos conspiradores, dos arquitetos engenhosos que juntaram dois mundos tão diferentes em uma situação tão encantadora. seus olhos, me lembro como se eles ainda olhassem pra mim, eram bem arredondados e escuros, indecifráveis e tímidos. o jeito que ajeitava o cabelo mecheu muito comigo. seus passos me faziam desejar que você viesse até mim. seu olhar era uma mistura de perplexidade e encanto. nos seus ouvidos entravam as minhas palavras cheias de jogo-de-cintura e eu sentia a sua pele se arrepiar. eu senti que aquele momento era poesia, eu senti que aquelo momento se tornaria eterno por alguns minutos. por alguns piscar de olhos eu eu senti que você também me desejava. nós estávamos falando sobre sonhos. nós estávamos construindo um sonho. eu perdi o sono e quis te cantar uma música que poderia fazer para você e, do fundo de minha alma, só queria estar em seus braços ao menos uma vez. estávamos atônitos com a situação e não nos preocupamos muito com as circunstâncias. mesmo depois de tudo, estou aqui de novo a depender de outro jogo de situações, e que seu mundo decida cruzar com o meu novamente. o destino quem vai dizer.

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Interferência e acomodação

hoje eu me vi questionando sobre coisas que venho postando aqui. pensei bastante sobre as ideias que defendi nesse blog sobre sermos o que queremos ser, sobre o ser natural e o ser funcional (se é que podemos chamar assim). as antigas dúvidas, e ainda persistentes, me alertavam sobre o quem sou? e me apontava o eu sou quem quero ser. mas agora me veio a mente: o que eu quero realmente ser? como posso me basear e tomar como base um ideal, sem nem saber do que ele é feito, em que ele consiste? como posso hastear a bandeira do 'sou quem quero ser', se sou mudança? se sou instabilidade pura? hoje sou esse, amanhã quero ser aquele.

oscilando entre os papéis que escrevo para a minha vida, eu vou sendo o que me convém ser. mas como posso me definir alguém, se o que quero ser sempre é algo diferente? não existem várias definições para um mesmo significado. o preto é preto e o branco é branco. então eu seria ninguém e me ausentaria da culpa que essa crise de identidade me causou? ou eu seria vários alguéns? preciso tomar um pouco de coragem. preciso de um pouco de ar. aqui dentro de mim está muito apertado, não cabe mais ninguém além de minhas várias personalidades. pronto. agora, além de confuso, sou um egoísta. as vezes me fecho mesmo. é um mecanismo de auto-defesa que não te permite me julgar, se me julgares estará errado, e aí serei sarcástico. não que sarcasmo seja quem eu sou. mas sou tudo isso. sou inconstante.

sou muita calma. muita paz e muita luz. medito, reflito, respiro. ouço, absorvo, respiro. e aí, mais uma vez, oscilo. giro e caio de costas. já não sou mais eu. na verdade sou, mas do mesmo jeito que não consigo explicar o tanto de confusões, não consigo conter tanta raiva. eu tenho algo ruim dentro de mim. eu sou algo ruim aqui fora, e lá dentro estou, ao mesmo tempo, tão confortável. estou me acomodando. e só aí, acomodar e mudar se entrelaçam.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

As crônicas do meu pai - Controlando pragas

Antônio, que era jagunço, foi ao médico. o interior em que morava não era lá grande coisa. o médico cuidava da saúde humana e dos animais e também dava dicas de plantio e colheita. antônio não estava doente, pelo menos ainda não. ficaria se as formigas continuassem a destruir a pequena horta que tinha no quintal de casa. Mariano, o doutor, era formado no exterior, mas havia sido criado com Antônio, então era amigo pessoal - além de entender sobre controle de pragas. Mariano estudara anatomia e fizera muitas pesquisas biológicas na faculdade de medicina também, mas nunca esquecera dos ensinamentos de sua vó, puro conhecimento popular.

então o que poderia ser feito, mediante tal estragos? perguntava Antônio a si mesmo e ao amigo. então eis que veio a solução. Antônio nunca estudou, então mesmo que desconfiado, foi para casa e fez o que foi mandado.

traçou o caminho das formigas, viu o horario em que elas passavam. pegou um ponto em que elas passassem e colocou um pequeno rastro de tabaco, comum na região, e no final do rastro, uma pedra. deixou lá durante uma semana, e mesmo curioso não foi averiguar a situação antes do prazo estipulado. sete dias se passaram e ele encontrou novamente com o seu amigo de infância na rua. após muito conversarem, surgiu no diálogo a pergunta que não queria calar: e aí? deu certo? e por incrível que pareça, tinha dado. Antônio continuava sem acreditar, mas tinha dado certo. sem se conter com tantas questões, perguntou como aquilo funcionava e eis a explicação:

as formigas trabalham em fila pelos rastros delas. seguindo caminho a frente, a medida que passassem pelo rastro de tabaco, devido a seu grande sentido olfativo, elas iriam cheirá-lo e isso ia fazer com elas espirrassem batendo a cabeça com força contra a pedra que havia no meio do caminho.

essa história é verdadeira. diz o meu pai.

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Ao apagar das luzes

mesmo depois de todo o esforço que o céu fez para que o acaso apagasse todas as luzes, para ser feita sua presença, foi despercebida a beleza. por mais um dia foi desperdiçado tanta grandeza e tantas estrelas. eu estava sentado e assim que a cidade se apagou, corri para o lado de fora e me sentei, tentando apreciar cada pedaço que pudesse ver no mar de constelações. me comparei frente a tal esplendor, que insignificância essa a minha. me coloquei no meu lugar de admirador e passei o resto da noite assim. pesquei algumas estrelas cadentes e improvisei alguns pedidos , ainda na esperança, arrecadada na infância, de vê-los realizados. e se o céu as visse e colecionasse milhares dela, só faria um pedido: mais valor. mais valor a toda essa maravilha que temos bem em cima dos nossos narizes. lutamos tanto cada vez mais por mais energia, e nos esquecemos que quando as luzes se apagam o espetáculo começa. e nem as nuvens estragam o show. o céu fica todo cinza com alguns tons de melancolia, o que é uma beleza ímpar para quem sabe mesmo admirar. o céu é tão grandioso e tão independente, e mesmo assim, com toda nossa insignificância, só olhamos para cima quando é para dizer: Deus nos acuda.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Precipitações dois

todos riram e ele ficou sem reação. enquanto a professora falava ele já contava os passos e refazia o caminho de volta para a saída. demorou uma semana para voltar pra escola. e foi o ano inteiro assim. nem uma palavra. nem um contato além do ocular.

última semana de aula e eles então tiveram a chance certa para se conhecer. ela se atrasara por causa que havia chuvido demais e o carro de sua mãe havia quebrado, e ele sempre estava atrasado. tiveram que esperar o toque do segundo horário. acabaram se vendo sentados na mesma mesa esperando o tempo passar. ela fazendo alguns exercicios de física e ele com fones no ouvido. sobre gravitação, questão conceitual, verdadeiro ou falso. ela não sabia a resposta. foi quando ele soprou alguma coisa e ela não entendeu.
- o que você disse?
- disse que é falso.
- e como você sabe? nem da pra ver a questão daí.

sem tirar os fones do ouvido, se ajeitou na cadeira, pegou um lápis do bolso e escreveu de forma que ficaria de cabeça pra baixo no caderno dela. enquanto ela virava e tentava ler, ele abria um sorriso. quando se deu conta, abriu um enorme sorriso envergonhada. gravitação nunca foi tão simples, nove números e o celular dele, ao invés da resolução, já estava anotado. se conheceram e um clima rolou desde a primeira vez. se falavam sempre na escola, e quando ele faltava se falavam por telefone. final de tarde, era o horário que ele chegava da praia e ia passear com o cachorro, e marcavam de andar juntos.

logo começou a faladeira. amigos e amigas dela estavam preocupados por não terem tanta certeza de ser boa a companhia dele para ela. "o pai dele é doido", "ele é um drogado, um vagabundo." mas ela não lhes deu ouvido. apesar de a primeira impressão ela ficara com um pé atrás, mas logo desencanou.

ele não apareceu na segunda na escola, mas era normal. ela começou a notar algo estranho quando viu que ele não atendia o celular. final de tarde na praça e, nem ele, nem o cachorro dele passearam por ali. e foi assim durante duas semanas. as manhãs dela estavam comprometidas. ela não conseguia dormir direito, madrugadas a dentro acordada, mal tinha tempo de aproveitar o nascer do dia com café que ela gostava tanto. ia fazer um ano que ele tinha se mudado de volta e onde será que ele estivera. foi quando seu consciente resolveu ceder as acusações. quando ele reapareceu, ela não quis nem saber. o acusou de ter brincado com ela e sumido, o chamou de irresponsável, de vagabundo e outras acusações fundamentadas em sua total instabilidade. agora ela era a menina insegura que nunca quis se tornar.

Precipitações

ela acordou cedo. tinha chegado tarde em casa após uma noite de festa com as amigas, e mesmo assim, já estava de pé ao despertar do dia. ela gostava de tomar um café na varanda vendo as pessoas que passavam cedo para trabalhar. ela adorava os dias de chuva, e ao invés de dormir mais, levantava mais cedo. aproveitava cada gota que precipitava-se do céu e tranquilizava a sua alma.

fazia a mesma coisa todos os dias. levantava, preparava o café e ia para a varanda. e lá, vários pensamentos rolavam, era só ela e eles ali. gostava de pensar e repensar sobre tudo, e ultimamente, o que mais lhe atormentara, eram pensamentos sobre ele. sobre como a história dos dois foi tão curta e como ela tinha posto um fim de forma insensata por causa de um julgamento errado.

eles já se conheciam de vista há algum tempo, desde que no meio do ano passado ele aparecera pela vizinhança passeando pela pracinha com o labrador. era a rotina que faziam os dois se cruzarem. ele e o labrador e ela sempre de passagem; escola, amigos, padaria. trocavam olhares, mas nada além disso. até o ano em que ele se mudou para a escola dela. recém-transferido da califórnia, onde o seu pai trabalhava antes de ser transferido de volta para aracaju.

café, chuva, uma folha e vários rascunhos. ela não era uma menina tímida, era segura e determinada. vinha de uma família classe média baixa e se esforçava muito nos estudos. sonhava em ser psicologa, profissão que sua mãe lhe apontara desde que começaram a discutir na fase da adolescência. era muito observadora e conseguia sentir e diferenciar profundidade nos sentimentos, ela era muito sentimental.

início do ano letivo e lá vem a professora no primeiro horário do primeiro dia de aula. no meio da primeira aula veio ele, entrou de mansinho pela porta e quando estava chegando perto de uma cadeira vazia foi descoberto. ninguém havia prestado atenção naquela presença estranha, até a professora de biologia gritar com aquela voz irritante. ele parou de costas e todos olharam para ele. demorou um pouco para ser reconhecido, já que só havia sido visto com o cachorro do lado. mas, sem dúvidas, era ele.

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Tornar o amor real é expulsá-lo de você

Exorcisei meus medos para parecer mais seguro e aí esperei. Você veio e quando viu a embarcação que te ofereci, você cedeu, apostou que ali não viraria em hipótese alguma e decidiu viajar comigo. Pedi sua mão e não quis só o braço, quis você por inteira, quis teus olhos profundos e teu corpo. Quis teu coração e a tua alma. Eu te fiz promessas mil e você confiou, e sem que pedisse, se atirou em forma de mergulho no mar onde eu disse que estaria te esperando, onde eu disse que te mostraria um mundo mais bonito e sem preocupações onde você deveria estar, onde alguém com uma beleza igual a sua deveria morar.
Você mergulhou de cabeça nisso e agora estamos aqui. Me fiz seguro para poder sustentar toda a estrutura, para que vento nenhum que chegasse, derrubasse tudo que construiríamos. Me fiz estável para poder suportar suas dores, tristezas, alegrias, aspirações e devaneios. Me fiz amor, me fiz melhor, faço de tudo porque é o que você merece.
Eu sou doido por você. Obrigado.

Há relação

entre o óbvio fantasioso e a duvidosa realidade, eu vou passeando pelas ruínas da vida estranha e solitária que levei durante meus 50 anos. hoje é meu aniversário e não sei o que fiz durante todo esse tempo de útil. a maioria do tempo passei escrevendo livros, poesias e cartas de amor. vivi com mil mulheres diferentes e amei a cada uma delas. nem mais amor, nem menos amor. apenas amei a cada uma. passei cada segundo dos meus 50 anos de vida na companhia de alguém, e hoje não é diferente, e mesmo assim me sinto mas só que nunca. família não tenho, herdeiros (que eu saiba) não fiz, amigos estão por aí. fui feliz sim, claro e evidente que conheci a alegria nos dois mil braços que me acolhi e nunca soube o que é o choro e a tristeza.

a quem quero enganar? entre os próximos vários segundos de silêncio e o grande bufar de descontentamento, desacelerei os pensamentos que eu mesmo estava forçando. não posso mais me enganar. 50 anos. não sou mais um menino. não sou mais aquele cara, que mesmo tímido, conseguia estar presente em todos os lugares. que mesmo calado, muitas pessoas adoravam conversar. alegre, romântico, boêmio. quem eu sou? quem eu fui? a melancolia que me invade, me arrasta por todos os dias de vida, por todas as noites de farra e sono que tive, por todos as manhãs em que acordei com uma mulher diferente e mesmo assim me senti sozinho. o que faltou? o que falta? será que não basta toda a ostentação de uma vida a um? não sei o que se passa mais em minha cabeça. não sei mais o que quero que se passe. não sei mais a relação entre o meu eu impresso nas páginas do destino e a a minha projeção do que quero ser. o que quero ser? o que quis ser?

amado. eu sempre fui admirado e recebi muito carinho. mas nunca senti o amor de verdade. nunca vi nada tão sincero e, mais importante, inocente. estive na cama com muitas, mas todos os olhares que me liam e julgavam eram de pena. entre o passado e o presente, já não havia mais espaço para pensar no futuro. não havia mais futuro. eu completo mais um ano hoje e sinto ter morrido há alguns aniversários. então eu faço o caminho inverso. paro com o passeio por entre minha vida e volto ao hoje e me jogo ao físico. em minhas entranhas corre o sangue e o dna que não difundí.

Quimera

respirava ofegante e transpirava sem parar. parecia até que eu estava fazendo algum exercício físico; o meu coração estava disparado e minhas pernas doíam muito. estava dormindo quando de repente tive um pesadelo. estava tentando convencer a um grupo de pessoas sobre algo e todos estavam prestando bastante atenção em mim. vieram me dizer o quanto eu era bom no que fazia, e eu já estava começando a me sentir bem em meio a tantos elogios.
sem mais nem menos, o cenário havia mudado. agora eu estava sentado e ao redor estavam aquelas mesmas pessoas que me inflavam o ego, mas agora eles riam de mim. gargalhavam e apontavam em minha direção. dava para ouvir algumas vozes que diziam por trás das risadas: "ele acha mesmo que sabe fazer alguma coisa" e "tudo que ele faz é uma grande besteira atrás da outra". aí eu me levantei, esbarrei em alguns rostos desconfigurados e comecei a correr sem parar, quanto mais eu me afastava, mas as vozes aumentavam em meus ouvidos. e aí, acordei.
tentei chorar mas não consegui. tentei gritar de raiva, mas não conseguia superar em nada o sentimento de frustração que tinha trazido comigo do sonho assim que acordei. o quarto ainda estava escuro. era uma noite de inverno e naquele ano as estações estavam muito intensas.
me levantei e fui até a cozinha. sentei um pouco enquanto tomava um copo de água. tentei reproduzir na minha cabeça a voz de algumas pessoas as quais eu conservava sentimentos bons e recíprocos, mas estava tão atordoado e não conseguia pensar em nada além do pesadelo. tive medo de tentar dormir novamente. tive medo de que amanhecesse e, que a luz da manhã que entrasse pela janela, revelasse um cara inseguro e incapaz. o clima de melancolia tomou conta do meu quarto inteiro, e depois da sala, os sofás e a minha poltrona favorita eram pura tristeza. ao contrário do meu pesadelo, elas choravam só de me ver passar. tudo na minha casa era choro, e o pior, não era um sonho.