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terça-feira, 26 de fevereiro de 2013

Aprendendo a amar.

Ensanguentei as minhas mãos, inundei os meus olhos e esvaziei o coração. Abri um corte na garganta para conseguir respirar enfim. Bati na fibra da percussão, como no candomblé, porque não era digno de falar. Me livrei dos meus pecados porque aprendi a rezar. Perdi você por não saber dizer que te amo. Se todos os segundos voltassem, diria em muitos deles o que não soube dizer até aqui. Então eu fiz poema. Um não, cem mil poemas. Fiz canções. Escrevi livros. Pintei quadros. O corte na garganta deu espaço para as palavras escorrerem. O meu violão cansou de meus dedos, que calejados, ensurdeceram a minha alma e atormentaram o meu ser, insistindo em todas as canções que fiz pra você. Se do outro lado do mundo, você conseguir ouvir, então saiba que é esse o tamanho do meu amor, e é essa a falta que você me faz. Perdi o brilho nos olhos quando te vi ir embora.

domingo, 24 de fevereiro de 2013

êta vida de cão

Acordei com o maior solzão na cara. Era um pouco mais que 10 da manhã, quase ninguém havia acordado ainda, mas já estava rolando RHCP na som que fica na sala. Levantei, me espreguicei, tomei um pouco de água. Procurei em minhas lembranças o que teria de bom para fazer pelo dia. Ainda meio devagar, fui rodar por todos os cômodos. Arrastei algumas meias pela casa, mordi algumas sandálias. Entrei no "quarto-grande" e com um pulo só subi na cama. "Esse cheiro é tão bom". Distribui alguns carinhos, recebi vários sorrisos ainda sonolentos e ganhei mais carinho do que dei. Pulei da cama e fui direto pra cozinha. Recebi um olhar bastante atencioso. "Hmmmmm, cheiro de carne assada... amo carne assada". Minha tigela de ração estava no canto, dei umas mastigadas meio sem vontade até ganhar dois pedaços do almoço da galera.

A tarde eu tirei um pequeno cochilo. O calor era tanto que até pensei em tomar banho! - mas a loucura foi momentânea. Com os neurônios funcionando normalmente, peguei a coleira com a boca e fui até a porta da frente. Dois latidos e pronto. Já estou passeando. A melhor parte do dia! Ar fresco, amigos da vizinhança... Não se enganem com a minha rua, ela é bastante tranquila mas aqui a paquera rola solta. Olhares que se desviam, focinhos que se tocam. Acho que vivo em um paraíso.

Quando o sol cai, a fome aperta de novo. Mais um pouco de exibição na cozinha: barriga cheia novamente. A sala é o meu lugar predileto, a noite inteira rola filme, música e até novela. As vezes até me vejo na televisão nos comerciais, que engraçado não é? Deve ser coisa da minha cabeça. Que vida boa.

NOEL

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Astronauta

Flutuando sem órbita
navegando sem tormentos
não me preocupo com hora,
só me interessa o vento
que sopra sem pressa,
que conta nos dedos,
que pinta aquarela
e que voa sem medo.

Quantas luas existem
nesse mundo só meu?
Vinte e tantas existem
mas uma não morreu.
Teus olhos me cercam,
me invadem, arremessam,
me cortam, me acertam,
me erram e me costuram a alma.

Tua boca me olha,
seus olhos se fecham,
seu sorriso se apressa,
chega na hora certa.

Aroma de incenso
jogo de cartas
saídas de emergência dispenso
nomearei as suas sardas.

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Madrid, ESPANHA, 1982.

"As melhores lembranças que tenho da minha infância foram na biblioteca com meus pais. Minha mãe foi uma grande escritora, e uma grande contadora de histórias. Meu pai sempre foi muito presente, apesar de conciliar os concertos com as aulas de piano que dava na Universidade Cumplitense de Madrid. Tive uma infância inspirada nos romances franceses que li, cresci ouvindo jazz e me apresentando por todos grandes teatros com a companhia de balé.

Inês foi o nome da minha tataravó, dona de mãos pequenas que cozinhavam a melhor paella de toda a Espanha. Todos dizem que tenho os mesmos olhos verdes que ela, talvez por isso meus pais tenham decidido homenageá-la em minha certidão de nascimento. Mas não herdei apenas o seu nome, ganhei muito mais que belos olhos dela. Publiquei o meu primeiro livro no primeiro ano da faculdade. Minha família é dona de uma editora e a publicação não foi um problema, o sucesso demorou, mas chegou. Me formei em jornalismo e no fim do curso já tinha um caderno de poesias no EL PAÍS, jornal espanhol de grande circulação. Me apresentava em grandes sarais que rolavam nos fins de tarde em praças e bares locais. Poesia corre em minhas veias, minha tataravó foi quem me deu.

Viajei de ferias para paris, pra tentar me desocupar um pouco. A fama dos meus versos correu por toda a Espanha, e eu estava cada vez mais atarefada, precisava urgentemente de uma folga. Mesmo assim não consegui ficar longe dos livros, e felizmente, foi em outro autor que reconheci meu amor. Entrei em um pequeno café e fui atendido por uma simpática senhora, ela me mostrou o pequeno sebo que ela tinha, com coleções invejáveis. O que mais me chamou atenção foi um manuscrito com capa de couro. A senhorazinha me abriu um sorriso orgulhoso e resolveu contar a história daquele livro. Eu não me incomodei, muito pelo contrário, nem percebi que já haviam passado duas horas desde que entrei no café.

A tarde caiu, a noite chegou e a conversa não cansava nunca. A dona do café me contou sobre um jovem escritor francês com potencial altíssimo, que escrevia ótimas histórias mas não tinha dinheiro para publicar seus livros, apaixonado por literatura francesa e apaixonante, e que por coincidência, era seu neto! "Um cavalheiro perdido no tempo, um dos últimos da velha paris encantadora." Acabei sorrindo com um enorme tom de interesse desesperado ao ouvir o seu comentário. Até que a risada virou angústia. Damien interrompeu-nos com uma eufórica saudação a sua vó, apresentou-se a mim e pediu desculpas, porque sua maior - e única - fã estava me enchendo a cabeça.

Sentamo-nos novamente pra continuar a conversa, mas não era mais a mesma coisa. As portas do café já estavam fechadas, duas garrafas de vinho francês figuravam na mesa, um prato de queijos e um clima até então inabitado por mim. O sorriso aconchegante da senhora havia transformado-se em um riso maquiavélico, enquanto seu neto ia comprovando todas as características citadas antes. Não era possível alguém ser como ele, mas não era mais um livro, era real e estava acontecendo comigo. Fiz versos sobre todas as histórias de amor que ouvi falar, que vivi ou que sonhava viver, e nada era parecido com a atmosfera daquela Paris que eu acabei conhecendo. O que eu poderia ter feito? Histórias de amor vendem muito bem, mas será que existe mesmo um final feliz? Damien e eu eramos estranhamente parecidos, e eu tive de verdade a sensação de que estive esperando por ele por toda a minha vida.


Inês Bueno."

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Cais

Mas o que está acontecendo? Ontem bagunçamos toda a casa e eu arrumei, sujamos a cozinha inteira e eu limpei, nos deitamos no chão e sonhamos na cama e agora você sai de fininho deixando o sol entrar e levando consigo minha luz. Qual foi? Você entendeu errado. Eu disse que te queria, que te desejava, que me encantei desde a primeira vez que te vi no balcão do bar. Eu falei que seus olhos combinavam com as minhas cortinas, te levei pra minha casa, pedi pra que tirasse os sapatos e abri um vinho. E eu quis que tudo isso fosse dia-a-dia, mas você entendeu que era amor pra uma noite só. Mas tudo bem, eu tô feliz assim. Dias assim entram pra história. Você não quis ancorar, mas quem sabe um dia atraque novamente em meu cais.