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segunda-feira, 27 de junho de 2011

Belas-artes

as coisas não acontecem por acaso, não é? ninguém apontaria, se tivesse uma única chance, aquela dia como promissor. acordou realmente cedo, mas esperou a claridade tomar conta totalmente do seu quarto para levantar-se de vez. morar de frente para a praia não é um privilégio para qualquer um. olhar direitas e esquerdas quebrando em um revezamento sem fim. ver pessoas tentando escapar das preocupações que deixaram antes da areia na beira do mar. então ele olhou pela janela e viu que o dia estava maravilhoso, como qualquer outro dia no paraíso em que vivia. vinha de uma família muito rica de gerações de médicos bem-sucedidos, o que necessariamente não quer dizer que ele seguiria a profissão também. muito pelo contrário. tinha a juventude em seus olhos e disposição a sua volta, mas estava sempre largado pelos cantos da casa com seu violão. parecia não se interessar por nada.

o prédio de arquitetura moderna que ostentava grandes pedras de granito preto era o local onde seu pai decidiu apresentar aos seus amigos da alta sociedade o seu mais antigo hobbie. além da excelente fama de melhor cirurgião da Califórnia, dedicava parte do seu pequeno tempo de sobra para a sua paixão pela pintura. dividiu o espaço na galeria de artes com mais dois artistas amigos seus de longa data. era indispensável que toda a família estivesse presente. então mais uma noite foi adiada e ele teve que ir presenciar seu pai, obrigado por sua caprichosa mãe. embrulhou-se naqueles desconfortáveis e brilhantes sapatos que, irritavelmente, combinavam com toda aquele terno minuciosamente engomado.

muitos sorrisos e abraços. muitos daquelas risadas eram forçadas, e daqueles apertos de mão, poucos eram os que não tinham a simples intenção de bajular alguém. joias caras, carros vistosos e vestidos deslumbrantes. mas nada chamou tanto a atenção do protagonista como a tela pintada à óleo. longos cabelos. maior ainda aquela ternura. não chegou a tocar na tela, muito menos na musa que a inspirou, mas podia sentir aquela pele aveludada. quanta graciosidade. ela parecia mover-se delicadamente na tela, parecia encanto. uma bailarina flagrada em um movimento que transmitia a sensação de saudade, de vontade de ver o que acontecia depois dali. o que aconteceria depois do espetáculo? será que ela aceitaria o seu convite para sair em meio a tantos outros a cortejando. era só uma pintura. ele não tinha visto quase nada, mas enlouqueceu com o pouco que viu.

segunda-feira, 20 de junho de 2011

Conspiração

eu demorei para perceber. precisei lamentar-me bastante por não ser completamente feliz e raclamar por dias seguidos da minha tristeza e solidão. doía tanto estar sozinho que não conseguia me imaginar sendo feliz novamente. isso mesmo. novamente. fui mais um do clube dos mais felizes do mundo e lembrei do amor que jurei ser por toda a eternidade. forcei sorrisos de frente para o espelho e percebi que quando eu estava com você, até os sorrisos que eu tentava disfarçar quando você falava alguma coisa sem sentido, eram mais espontâneos e mais cheios de vida.

o meu barco já era muito pequeno normalmente, mas depois de um tempo nele já não cabia tanta tristeza. a lua apaixonada chorou tanto que do seu pranto nasceu o mar. o samba antigo da minha viola insistia em tocar versos que me deixavam ainda mais apreensivo. nunca tinha percebido que o telefone é perto demais do sofá onde costumo domingar sofrendo com os jogos do vasco. o telefone que aproximaria a distância e, talvez, alivaria esse aperto que dói tanto em meu peito, é o mesmo telefone que pode trazer mais dor em toques inacabáveis sem-respostas. melhor deixar assim mesmo.

vou para a praia no final de tarde. as ondas que insistem em me levar parecem querer me avisar para sair correndo dali para outro lugar. elas vinham inconstantemente sem parar, parecendo que estavam insistindo no que queriam me dizer. o pôr-do-sol e as rodas de altinha olhavam pra mim com olhos misturados de raiva e dó. o céu tomou-se pela escuridão. ai veio novamente a lua, que me fez prometer ir atrás de quem eu sentia tanta falta. em troca ela pararia de chorar e de inundar cidades inteiras. constelações me levavam ao seu encontro e até o seu jardim sorriu pra mim. toquei a campainha e, como se estivesse a minha espera, você veio correndo atender a porta.

fica mais um pouco, amor

deixa eu segurar o seu braço, com a força necessária somente para te fazer pensar em ficar, para te fazer pensar em aceitar o meu convite. deixa eu sentir a sua respiração de perto, prestar atenção na cor dos seus olhos. você sorriu a noite inteira e eu ao menos sei seu nome. de onde você veio eu também não sei, mas sei pra onde quero te levar, onde quero acabar a noite e começar o dia de amanhã. não me diga que sorriso tão lindo já tem abrigo, e sim, me diz que também passou pela sua cabeça que nós dois combinamos e que juntos faríamos um casal lindo. vai. me deixa ajeitar o seu cabelo e sentir o seu perfume. me deixa te dizer as coisas lindas que pensei a noite inteira, me deixa saber qual seria a sua reação se soubesse que posso ser o cara que morava em seus sonhos quando você ainda acreditava em príncipe encantado. fica mais um pouco, amor. eu ainda não dancei com você.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

Perfume

feitos um para o outro. todos diziam com toda a certeza do mundo que eram o casal mais bonito que conheciam. eram totalmente diferentes, mas não poderiam ser de outro jeito. ela era totalmente agitada e ele irritavelmente calmo. tudo a irritava nos dias de tpm mas só ele a acalmava, do mesmo jeito que os caprichos dela as vezes venciam a sua paciência.

faltava menos de um semestre para formar-se. enquanto fazia planos para a vida pós universidade, sua namorada era caloura de uma turma de pedagogia. ele desde criança sonhava em construir prédios enormes, e ela desde sempre gostou de crianças.

dia dos namorados. mais um. depois de tantos passados, os presentes tornavam-se cada vez menos caprichado, por descuido então, comprou um perfume. experimentou o que mais lhe agradaria sentir o aroma dias e dias seguidos e entregou para ele. passaram-se 10 meses. tempo suficiente para todo o conteúdo daquele recipiente acabasse.

de borrifada em borrifada, e como em um estalar de dedos, andando em nuvens como a distração, acabou. vieram brigas, reconciliações, alegrias e tristezas. todo o tempo que passaram juntos foi eterno, mas enquanto durou. no mesmo dia em que lamentou-se por não ter sobrado nada além dos resquícios do perfume no frasco, chorou e debruçou-se em prantos. conformou-se. tinha a certeza que era só mais uma briga e que voltariam a se entender novamente.

e foi assim. junto com o perfume, acabou-se o amor. eles nunca mais voltaram a se ver. ele se formou e foi trabalhar com seu pai em uma firma e ela hoje em dia dá aula para crianças numa escola perto daqui, casou-se e já tem uma linda menina.

sábado, 4 de junho de 2011

Simpatia

ah! quanto amor guardo dentro de mim. quanto zelo, quanto apreço, quanto amor! se você ao menos soubesse o quanto penso em você, o quanto sonho com nós dois. ah! se você desconfiasse... se eu apenas corresse o risco de ter um sentimento assim correspondido, se eu corresse o risco de que você gostasse tanto assim de mim. se conseguissem ver a minha alma através de meus olhos, desconfiariam de que eu seria o grande amor de sua vida, e que poderíamos ser o casal mais feliz e apaixonado do mundo. se pudessem assistir aos meus sonhos, saberiam que em algum lugar desse universo, em alguma realidade paralela ou em algum lugar perdido no espaço, nós já somos completamente felizes, dedicados um ao outro.

o desespero tomou conta de mim. somos próximos e cuidamos tão bem um do outro, sei que não podemos abrir mão de uma amizade tão bonita, e nem precisamos fazer isso. podemos ser melhores que isso, podemos ter o melhor de nós dois. então fiz algo. o mundo não poderia perder um amor desse tamanho. você precisava me ver da forma correta, me ver além de conversas amigáveis, conselhos e ombros-amigo. encostei-me ao pé do seu ouvido e recitei palavras há muito tempo recitadas por outras línguas igualmente desesperadas.


"Tamanho amor que trago em mim constante, por esse coração que vos fala. Então agora seja meu e veja adiante, seremos um só e nada nesse mundo nos separa."

sólido, firme, elo, simpatia. após as palavras balbuciadas um clima estranho instalou-se entre os dois. ele desnorteado e ela ansiosa com o resultado de tudo aquilo. apressou os passos, desculpou-se e deu as costas. da parte dela não vieram lágrimas e sim uma promessa: desistiria de tudo, desistiria da conquista. foi deitar-se com sua consciência. decidiu que sonharia com aquele amor pela última vez. o telefone tocou.

as palavras que vinham do outro lado da linha vieram de forma confusa e afoita. desculpou-se e tentou repetir o que tentava falar, mas sem gaguejar dessa vez. outra tentativa frustrada. então resumiu. "eu sempre te amei, todos já perceberam, menos você." seu coração palpitou e sua consciência mais confusa ainda ficou. não sabia se estava lúcida ou não. era um sonho ou era verdade? será que ela tinha enfartado enquanto dormia e agora estava em uma espécie de outra vida ou outro plano paralelo? o que estava acontecendo ali? a simpatia que sua tia te ensinara, havia fucionado ou apenas aquelas palavras despertaram o que já havia de ser dito?