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sexta-feira, 17 de maio de 2013

Esperança

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Depois de cinco meses de muita neve, as temperaturas começaram a aumentar, dando espaço para o Sol e as calçadas, agora descobertas. Moscou é um dos lugares mais bonitos do mundo, assim descreveriam o sorriso de Natália. Pés e mãos finas, bem cuidadas, pele branca, macia, ombros delicados, andava como uma bailarina encanta em um palco no solo da ópera. Os olhos lembravam o inverno russo, frio, hipnotizante e incrivelmente lindo. Tinha os cabelos escuros como o céu limpo daquela noite em que conheceu Nícolas e seu pai.

A lucidez chegava e ia embora de repente, mas estava tornando-se cada vez mais ausente, raros eram os momentos em que Igor conseguia situar-se, reconhecer a si e a seu filho. Então, cada momento de sobriedade mental, era uma festa, as vezes duravam minutos, outras vezes horas. Os olhos se enchiam de lágrimas, as lágrimas secavam e plantavam marcas em seu rosto, o tempo passava e castigava-o, assim como as tempestades castigavam a linda Moscou. Nícolas tentava não chorar, manter a calma, e tentar aproveitar o máximo de cada momento. Nunca a vida foi tão aproveitada, bonita e simples quanto naqueles segundos, minutos e horas. Mas a vida nunca tinha sido tão parecida com a morte, como quando a memória do seu pai desaparecia novamente. Olhos perplexos e gritos horripilantes. Uma dor na alma. Os últimos anos o fizeram amargo e solitário, mas tudo aquilo ficava pra trás quando estava com o seu pai, e pela primeira vez, uma sensação diferente em sua vida.

Depois que caiu em si, Natália aproximou-se e pediu desculpas pelo constrangimento, explicou-se, emocionou-se e percebeu que poderia estar incomodando novamente com tantas explicações. Estático, Nícolas sentiu uma ponta de alívio e não conseguiu segurar o sorriso. Ele não conseguia prestar atenção em nada do que a curiosa estava falando - e muito menos tinha se importado com a fotografia. Fascinado pela beleza impecável a sua frente, sentiu-se bem. O rosto dela queimava em um vermelho destacável, a começar pela cor da sua pele, e então, depois de alguns segundos, ele a segurou pelo braço enquanto ela tentava ir embora envergonhada.

A melancolia toma conta de nossas vidas quando menos esperamos. Deixamos a porta sempre aberta, coisas boas acontecem, coisas ruins também, vivemos o momento, somos o momento. Nossa identidade deveria ser não ter identidade, a nossa realidade é triste, o mundo é cruel, a humanidade é contraditória, mas e quem escreve a nossa história? Deixa a vida levar ou deixa o destino agir? Coisas boas e ruins acontecem quando menos esperamos, mas somos nós, os responsáveis por fazer delas o que somos, e levar adiante os nossos sonhos. Nícolas e Natália casaram-se, mas não foi porque o acaso os apresentou, foi porque ele não a deixou ir embora. Igor falecera um ano após o casamento dos dois, a neve castigou novamente as calçadas da Praça Vermelha no seu funeral militar. Ele agora é a lembrança, a mesma que nunca lhe encontrava, agora o abraçou de vez. Temos que deixar partir mas temos que saber deixar chegar. Não que Nícolas tenha ganho de um lado e perdido de outro, são coisas diferentes. O casamento lhe fez bem, as portas e janelas do casarão agora têm tons claros, o jardim está mais lindo que nunca, e as lembranças enchem todos os cômodos. A vida pode ser triste e melancólica as vezes, mas, assim como os olhos de Natália, é um grande encanto.

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