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domingo, 28 de abril de 2013

Costas nuas

Ela estava no fim do balcão bebendo doses de whisky como se tentasse matar algum pensamento que insistia em reaparecer. Vestido vermelho no corpo, azul nos olhos e cigarro entre os dedos, ignorando com desdém todas as investidas que passaram a motivar apostas entre os homens do bar. Ninguém conseguira arrancar um sorriso, daqueles que valeriam vidas, inspirariam pós-modernistas, católicos e ateus. Eu vi aqueles profundos olhos me cortarem a existência, duvidei que pudesse respirar enquanto ela tragava mais um cigarro e destroçava as minhas certezas.

Os lábios encostavam o copo delicadamente, as mãos sempre passeavam pelos cabelos a fim de tirá-los dos olhos. A maquiagem estava um pouco borrada e o semblante era de quem já estava cansada de chorar, de quem quisesse gritar, mas estava apenas ali sozinha, porque saberia que ninguém entenderia o que tinha para dizer. As vezes bocejava para parecer entediada com alguma coisa, mas na verdade ela estava querendo dizer algo, mas em sua garganta havia um nó e em sua vida uma dor, e nenhum dos dois alguém conseguiria resolver. Eu estava tão desamparado quanto suas costas naquele vestido. Quis falar sobre toda a vida que vi em sua alma, mas haviam vários olhos atentos a cercando. Foi quando ela se movimentou e trouxe suas pernas ate mim. Fiquei atônito, surpreso e desconcertado. "Me leve para outro lugar."

O que você diria se soubesse que poderia viver algo que ninguém entenderia? Se você visse aqueles olhos saberia o que estou dizendo. Era como um convite à um abismo, onde eu saberia que no final eu me jogaria de lá de cima por preferir a ideia de morrer do que desacostumar-me àquela presença. Eu não entendo como começou, mas eu já podia prever como iria acabar. Aquela forma de olhar com desatenção para o vazio e andar deslizando depois de tantos drinques, denunciavam a forma como entraria e sairia da minha vida. Meses depois eu continuei frequentando aquele bar, na esperança de topar com aqueles olhos tristes, ocupei seu copo e tomei, por empréstimo, vários copos, conheci outros corpos, mas ninguém era tão triste quanto ela, nem tão espetacular.

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