Ela estava no fim do balcão bebendo doses de whisky como se tentasse matar algum pensamento que insistia em reaparecer. Vestido vermelho no corpo, azul nos olhos e cigarro entre os dedos, ignorando com desdém todas as investidas que passaram a motivar apostas entre os homens do bar. Ninguém conseguira arrancar um sorriso, daqueles que valeriam vidas, inspirariam pós-modernistas, católicos e ateus. Eu vi aqueles profundos olhos me cortarem a existência, duvidei que pudesse respirar enquanto ela tragava mais um cigarro e destroçava as minhas certezas.
Os lábios encostavam o copo delicadamente, as mãos sempre passeavam pelos cabelos a fim de tirá-los dos olhos. A maquiagem estava um pouco borrada e o semblante era de quem já estava cansada de chorar, de quem quisesse gritar, mas estava apenas ali sozinha, porque saberia que ninguém entenderia o que tinha para dizer. As vezes bocejava para parecer entediada com alguma coisa, mas na verdade ela estava querendo dizer algo, mas em sua garganta havia um nó e em sua vida uma dor, e nenhum dos dois alguém conseguiria resolver. Eu estava tão desamparado quanto suas costas naquele vestido. Quis falar sobre toda a vida que vi em sua alma, mas haviam vários olhos atentos a cercando. Foi quando ela se movimentou e trouxe suas pernas ate mim. Fiquei atônito, surpreso e desconcertado. "Me leve para outro lugar."
O que você diria se soubesse que poderia viver algo que ninguém entenderia? Se você visse aqueles olhos saberia o que estou dizendo. Era como um convite à um abismo, onde eu saberia que no final eu me jogaria de lá de cima por preferir a ideia de morrer do que desacostumar-me àquela presença. Eu não entendo como começou, mas eu já podia prever como iria acabar. Aquela forma de olhar com desatenção para o vazio e andar deslizando depois de tantos drinques, denunciavam a forma como entraria e sairia da minha vida. Meses depois eu continuei frequentando aquele bar, na esperança de topar com aqueles olhos tristes, ocupei seu copo e tomei, por empréstimo, vários copos, conheci outros corpos, mas ninguém era tão triste quanto ela, nem tão espetacular.
Nenhum comentário:
Postar um comentário