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sexta-feira, 20 de agosto de 2010

História de Joãozinho revoltado dois

vieram rolando em minha direção porque mal conseguiam ficar em pé de tanto que riam. o Romário estava roxo e o Pedrinho já estava sem ar. quando chegaram perto de mim percebi que tentaram disfarçar e prender a risada entre os cisos na boca:
- Você ta bem? - Pedrinho com a cara mais sínica do mundo.
os dois não suportavam mais aquela farça e mergulharam por mais 70 degraus abaixo rindo e rindo sem parar. sentamos nos banquinhos perto da cantina e com certeza o assunto não foi outro: aquela menina. de onde ela veio? por que será que entrou no meio do ano letivo? será que ela é filha de fugitivos? - Porra, romarinho, não viaja, caralho.
uma coisa era certa. na verdade duas. as pernas dela eram muito lindas (assim como todo o resto) e meu braço tava ralado, saindo até um pouco de sangue. motivo suficiente para eu gaziar, no mínimo, as duas aulas seguintes. é em uma situação como essa que aparecem as dores de cabeça do Romário e a dor de barriga do Pedrinho sempre frequentes e imaginárias, óbvio.
dribla o espetor-anão, passa por dois blocos e esquiva de alguns professores. pronto, chega-se à enfermaria. e como sempre está cheio de gente com as mais diversas desculpas. dor de cabeça, cólica, tonturas, ataques de asma, claustrofobia, mal estar, unha encravada - han?
ficamos do lado de fora, esparramados em três cadeiras. eu com um pequeno curativo melado com aquele remediozinho que arde pra caralho, a anta do Romário brincando com os próprios dedos e o Pedro ainda com a cara de espanto depois de ter visto a novata.
- Acorda, velho. Tá parecendo que viu um fantasma, assombração, sei lá.
- Ainda tô impressionado. - acho que foi isso que ele disse.
você já deve ter assistido aqueles filmes que passam à tarde na televisão que quando a garota está passando a câmera vai ficando lenta e vai tocando aquela música meio tosca no fundo. era ela. caminhando devagar, fingindo uma cara de enjôo - eu reconheço quando alguém está fingindo uma doença, afinal são muitos horários de prática.
- Você se machucou foi? - será que toda vez que ela me visse, ela ia rir de mim. me senti um completo idiota, talvez eu fosse mesmo.
- Não foi nada.
os dois retardados prontamente ajeitaram-se na cadeira e começaram a sorrir para ela com uma cara que eu prefiro não comentar.
- Eu sou a Estela. Não lembro de você ter falado seu nome.
- É, não tive tempo, estava ocupado demais caindo.
e pra variar um pouco, ela riu de mim. só que dessa vez foi diferente. o rosto dela ficou corado.
essa é a parte da narrativa que eu começo a descrevê-la. mas vou tentar me prender ao simples. não quero ter que fazer um outro livro só para tentar adjetivar cada parte dela. as pernas todos já devem imaginar. ela é magra, tem o meu tamanho, tênis simples como as unhas da mão, simplesmente lixadas mas sem nenhum tom de esmalte. cabelo bom, meio encaracolado, meio liso, dourado e batiam um pouco abaixo do meio das costas. a silhueta do rosto era a coisa mais linda que eu já tinha visto. não tinha a cara gorda nem muito magra. um nariz fino, olhos arredondados e castanhos. caminhava não, flutuava.
- Eu sou o João.
- E eu sou o Pedro.
- E eu sou o Romário.
os dois quase falaram em uma espécie de coral desafinado se intrometendo na conversa. e ela riu. será que ela só sabia fazer isso? mas porra, era o suficiente para tirar muitos suspiros e mexer com a imaginação de pobres caras como nós.
- Eu morava em Londres, mas meus pais foram transferidos de volta para Petrópolis.
- Eu sabia que você vinha de Londres. Os ares de lá fazem muito bem a pele, sei muito bem como é isso. - puta que pariu, Romarinho. o lugar mais longe que ele tinha ido, foi a excursão que o colégio fez para o zoológico.
- É, deve fazer bem mesmo. Eu vim para esse colégio porque é perto de minha casa, mas não conheço ninguém aqui.
- Não se preocupe, nós te acolhamos. - rosnou o Romário.
- Nós te acolhemos, jumento. - concertou Pedrinho enquanto todos riam.
e aí foi o início de uma longa amizade.
juntamos o útil ao agradável. ela é linda e gente boa. éramos três, agora somos quatro. a partir daquele dia, nos tornamos inseparáveis. o Romário venceu a 5ª, eu, o Pedrinho e a Estela passamos para a 8ª.
chegaram as férias.

continua...

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