Páginas

terça-feira, 20 de março de 2012

parábola



Nunca fui muito fã de museus, obras-de-arte e exposições de quadros. Nunca entendi muito bem todos aqueles movimentos, seus artistas e suas épocas. Detestava aulas de história e literatura, nada naquelas aulas conseguiam prender minha atenção e o meu interesse.

Minha família é uma das mais nobres de Buenos Aires, desde que os avós dos meus avós decidiram investir na fabricação de sapatos, construindo uma das maiores empresas da área no país. Meu pai e minha mãe se conheceram em uma dessas festas beneficentes, sempre via nos olhos dele um brilho igual ao que imaginava quando contava sobre o colar de esmeraldas que minha mãe usava. Paixão a primeira vista - dizia ele. Os dois se pareciam em tudo, e eu em nada com eles.

Certa tarde meu pai chegou com um embrulho enorme em casa, bati os olhos naquele, que parecia, um presente novo para o filho, mas logo reconheci frustração quando espiei a conversa entre meus pais. Minha mãe sorria graciosamente, pousando delicadamente as mãos nos ombros finos do marido que sorria como se ganhasse um prêmio. Ela adorava pinturas, e em Van Gogh ela repousava seu maior apreço, tornando-se um sonho inestimável a aquisição de uma obra autêntica do pintor holandês. Então meu pai a beliscou para que acreditasse no presente que trouxera e juntos riram em uníssono uma risada que ecoava felicidade transbordando a casa.

Fiquei muito feliz, como sempre fico quando vejo que os dois se dão tão bem, mas fiquei com um pouco de inveja, assumo! Sempre recebia muitos mimos, e minha mãe acabara de receber um presente majestoso. Quero dizer, eu também merecia alguma coisa. Durou pouco menos de uma semana para que eu reparasse na pintura e me encantasse.

Hoje faz exatamente 10 anos que os meus pais faleceram em um acidente que virou manchete dos jornais da capital. Me formei em direito, o sonho do meu pai, e hoje moro só. Desde que eles partiram, minha vida deixou de andar nas ruas ensolaradas, e começou a passear em vielas escuras e fedorentas, na escuridão. A única coisa que ainda existia do passado brilhante, era o apego ao quadro que minha mãe ganhou de presente do seu grande amor.

Minha fascinação era enorme, mas meu interesse por artes plásticas, cênicas ou literárias não tinha mudado em nada. Meu caso era único e específico. Depois da década de 80, o Van Gogh chegou a triplicar de valor, muito se ouviu falar da aquisição da minha família e muitas foram as ofertas. Mas eu não conseguia me desfazer, mas eu precisava.

Eu criei feridas e as sustentei abertas para que nunca cicatrizassem. Não fiz questão de curar minha pele. Contanto que eu me acostumasse com aquela dor e ela não fosse mais tão doída, estava tudo bem. Mesmo assim eu sabia que não podia amá-la. Gostava de tudo que ela representava pra mim, fora todos aqueles detalhes impressionantes e toda a beleza da tela. Mas alguém lá fora estava pronto pra recebê-la e amá-la de um jeito que aquela pintura espetacular merecesse.

A verdade é que a minha parede não merecia mais aquele quadro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário