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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Conto de véspera de feriado

Minha cabeça quase encostou no balcão depois da colisão na minha nuca. Demorei um pouco pra reagir, tinha perdido as contas nas cervejas e junto com elas o reflexo. Ouvi uma voz maior que o meu pensamento dizendo pra eu ir lá.

- Levanta, otário. Vai ficar babando a menina a noite toda? Vai falar com ela logo, moleque.

Onde eu estava? Havia perdido os sentidos, mas dessa vez a culpa não tinha sido do álcool. Encontrei em minha visão doses de entorpecente inimagináveis. Minhas pupilas acompanhavam aquele balé celestial do outro lado da boate. Mesmo que passassem dezenas de pessoas na minha frente, eu não conseguia tirar os olhos daquela visão. Estava enfeitiçado, procurando no fundo do copo o antídoto que precisava: coragem!

- Eu vou lá, Tuco! - falei pro meu agressor - Me deseja sorte, porra.

Sai tropeçando e desferindo cotoveladas pela pista. Fui abrindo caminho com os olhos fixos no meu objetivo que não estava dificil de avistar. Enquanto todas as mulheres usavam e abusavam das saias curtas e vestidos justíssimos, a bailarina descompassada usava uma saia longa e desprendida, não tão solta quando os cabelos cachados que brincavam com as luzes e lasers que me guiavam. Abdicou da maquiagem exagerada e usava apenas uma sombra no olho, o que a tornava ainda mais enigmática. O que será que ela estava fazendo ali? Tão alheia àquele lugar quanto sua preocupação ao dançar. Não ligava pra nada, nem queria chamar atenção de ninguém, mas acabou causando o efeito contrário. Da mesma forma que todos os caras tentavam investidas, eram evitados e driblados por passos suaves e deslizantes, tornando o sucesso impossível. Que visão! Que mulher!

Quando estava chegando perto, olhei pra trás pra tomar coragem no olhar de Tuco, meu amigo de infância. Deu pra ver que ele estava tão apreensivo quanto eu, levantei a mão em sinal de que estava bem, quando senti um esbarrão. Uma patricinha oxigenada me empurrou depois que sentiu seu pé embaixo do meu. Tão delicado quanto a coloração da tinta em seu cabelo, foi o soco que seu namorado e segurança particular me deu no meio dos córneos. Antes de perder os sentidos o escutei pedir gentilmente para que eu pedisse desculpas a sua acompanhante. Isso, depois do soco.

Recuperei os sentidos um pouco depois e reconheci a calçada fora da casa de show. Ouvi a risada de Tuco, seguido de um "ai". Olhei pro lado e ele tava com o olho roxo e um corte no nariz, e uma menina que lhe amparava no colo dando água na boca.
- Você tá bem?
Que voz suave. Me senti bem leve depois de reconhecer aquele rosto reluzido por uma pequena iluminação proveniente do poste. Mas aquela expressão tranquila tinha dado lugar a um semblante de preocupação.
- Seu cabelo solto fica mais bonito. - arranquei risadas sinceras e vi a sua preocupação ir embora com um suspiro de alívio.

Ela me explicou que meu amigo tinha intercedido na confusão, e acabou apanhando junto comigo. O playboyzinho que me acertou o rosto, era o filho do dono da casa de show, acabamos sendo colocados pra fora mesmo depois de ter levado uma surra. Arrumei além de uma carona pra casa, curativos, beijos e um número de telefone.

"Da próxima vez arrume um encontro menos dolorido que esse, filho da puta." Essa era a primeira mensagem que encontrei no celular.

"Venha até minha casa hoje. Vê se não arruma alguma confusão antes de chegar até mim." Essa foi a segunda e a que me arrancou um sorriso de verdade.

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